terça-feira, 17 de abril de 2007

Vou lhes dizer o que há de Errado com o Teísmo Aberto

“Porque, tendo o conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças... e trocaram a glória do Deus incorruptível em semelhança de imagem de homem corruptível”.

Rm 1.21,23

Sim vou lhes dizer.

Sem grandes pretensões teológicas, ou profundas explanações.

Certo, vou pintar uma caricatura. Ser caricaturado é geralmente uma experiência desagradável. Eu já fui caricaturado. Uma vez dois alunos desaforados fizeram-me uma ótima caricatura, com foco especial em meu abdômem, que me custou meia hora de aula.

Enfim, caricaturas têm sua utilidade, quando não estão meramente desviando a nossa atenção para o que é menos importante (como o meu abdômen, no meio de uma exposição sobre a história do Novo Testamento). Os amigos me desculpem, se a minha caricatura parecer demasiado caricatural. Ademais, nunca fui bom desenhista.

Faço apenas uma ressalva, quanto à minha caracterização dessa doutrina: é que, enfim, toda teologia atinge a sua forma popular e, a forma popular do teísmo aberto não será algo muito diferente da minha caricatura. Talvez porque a forma popular é, em si mesma, uma caricatura.

A característica central do Teísmo Aberto é a afirmação coerente da liberdade ontológica da criação em relação a Deus. Isto é, a autodeterminação proporcional das criaturas, culminando na liberdade criativa do homem. Sobre esta base se assenta uma revisão da doutrina de Deus, segundo a qual a sua relação com as criaturas não é de soberania e controle absoluto, mas de diálogo e negociação. Deus se relativiza para abrir espaço para as criaturas; se temporaliza de modo que o futuro passa a ser uma construção comum Dele mesmo com as suas criaturas.

Daí dizer-se que Deus “não sabe o futuro”, no Teísmo Aberto. É que ele não pode saber algo cuja existência depende da vontade de suas criaturas, em cuja liberdade Ele não pode penetrar, e cujas decisões Ele não pode prever. O presente, no Teísmo Aberto – como no Teísmo do Processo, seu irmão “liberal” – é fruto da conjunção aleatória de diversas vontades, sob a supervisão amorosa e jamais impositiva de um Deus que luta para “não deixar a peteca cair”.

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Andrew Fellows, agora meu vizinho duas casas abaixo em L’Abri é um sujeito cativante. Alessandra comentou com uma ponta de inveja que até o seu cachorro é feliz. Mas não se tratava do cachorro, eu sei (se bem que uma vez eu tive inveja de uma formiga, por não ser ela capaz de partilhar de meus sofrimentos intelectuais).

Era o momento: o sol, a família, a música – ah, a música! Ella Fitzgerald, numa brilhante manhã de Páscoa, enquanto Andrew saía de sua sala exclamando com a alegria estampada nas faces: This is ressurrection music, yes? This is!

Mas todo o momento era ressurreição. Pela primeira vez desde que chegamos na Inglaterra sentimos o calor do sol na pele. O céu estava aberto, e a primavera começara a revelar suas cores no maravilhoso jardim que se estende bem diante da varanda dos Fellows – a varanda de onde Andrew anunciou a “música da ressurreição”. De fato, a suavidade da voz e a doçura de uma harmonia previsível, mas, absolutamente feliz, como que celebravam artificialmente o que nos era dado naturalmente;

Eis, então, que uma maravilhosa inversão de sentido se consumava bem diante de nossos olhos e ouvidos; e todos sentimo-la: era como se toda aquela beleza, tranqüilidade e harmonia houvesse sido criada para aquele momento; como se a música, as conversas, as pessoas – o elemento humano naquele instante – fossem a coroação e a plenitude do que estava ali. Não, mais do que isso: é como se o momento em si, reunindo natureza e personalidade numa totalidade de sentido feliz, fosse a coroação de tudo. Aquele momento foi uma dádiva.

Perdoem-me. A poluição humanista pesa em minha língua. É claro que não houve nenhuma inversão de sentido, exceto aquela que nos fez destruir a unidade do dom divino, aquela maldita e hipócrita “laicidade”ocidental. Então aquele domingo foi uma dupla dádiva. A dádiva do sentido, e a dádiva de percebê-lo.

“Guilherme!” “Não passa uma manhã, em todos os anos em que temos vivido aqui, na qual eu e Helen não agradeçamos de todo o coração por viver neste lugar, e ver esta paisagem maravilhosa” – Foi o que Andrew me disse naquele almoço, entre uma batata e outra.

Poucos minutos antes havíamos trocado alguns pareceres sobre o Teísmo Aberto, e o ponto emergiu novamente. “Andrew” – eu respondi – “você sabe que eu sou um calvinista. Para mim Deus está diretamente envolvido em todos os acontecimentos, seja na natureza, na história, ou nas escolhas individuais. Isso significa que não posso ver este momento senão como um dom. Cada flor, cada raio de sol; cada pessoa, cada pássaro; esta casa, esta varanda, este lago; Ella Fitzgerald, e estas lindas flores amarelas bem diante de nós, e esta manhã de ressurreição. Um defensor do Teísmo Aberto não pode crer nisso coerentemente, porque em seu mundo o presente é o resultado misto da vontade divina e da liberdade das criaturas, de um modo imprevisível para o próprio Deus. Assim, um momento maravilhoso não é uma dádiva; é uma conjunção casual de escolhas diferentes e independentes. Um milagre da sorte, à qual o próprio Deus deverá oferecer ações de graças”.

Ao que Andrew concordou prontamente. Se há alguma coisa bem definida na sua teologia, ao que eu pude compreender, é a crença, a confissão, e prática de agradecer a Deus por todas as coisas.

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Vou-lhes dizer o que há de errado com o Teísmo Aberto.

Sem me desculpar por minha caricatura, sem arrazoado rigoroso, sem densidade maior do que a do ar, quero dizer algo que sinto vital. Como o ar mesmo. Tão rarefeito que não se pode apanhar com as mãos, mas tão delicioso quando o inspiramos puro...

É a pura verdade. O defensor do Teísmo Aberto não pode realmente agradecer a Deus. Pode, sim, agradecer pela vida – em parte. Pela beleza das flores – em parte. Por Ella Fitzgerald – em parte. Pela felicidade humana – em parte. Pois a outra parte não lhe pertence. A outra parte é a dádiva da sorte. A sorte de ver a liberdade das criaturas somar-se à sua própria num momento maravilhoso mas completamente instável; cheio beleza mas sem fundamento absoluto: uma virtualidade cósmica.

O mundo do Teísta Aberto é um mundo sinérgico, em última instância. Um mundo fora de controle e sem sentido supremo; um mundo no qual podemos dizer com satisfação, ao oponente ateu, que “Deus não tem nada a ver com a maldade humana, nem com os tsunami, nem com a guerra”. E ao mesmo tempo, por uma irresistível conseqüência teológica, um mundo no qual os momentos de felicidade e plenitude não podem ser atribuídos a Deus. Pois Deus é apenas uma força entre outras – a mais potente, sim, mas não a causa intencional.

Como pode ser verdade que aquele momento não foi uma dádiva divina para nós? Ella Fitzgerald, a primavera, as flores amarelas, e as batatas temperadas da Helen? O ar fresco, o sol, e max, o cão feliz? E nós, naquele momento, com aqueles sentimentos, aquelas experiências, aquelas palavras...

Vou lhes dizer:

O Teísmo Aberto é uma pintura pós moderna, um salto no escuro. Aparentemente humilde, oferecendo-nos um deusinho humilde, e um cristianismozinho humilde, tolerante, aberto. Mas seus ossos são de aço. O aço frio do humanismo secular. Da autonomia humana e do desencantamento radical da visão de mundo teísta. Uma cria abortiva da modernidade.

É mentira. Provavelmente o seja filosoficamente – talvez isso venha a ser demonstrado, ou já tenha sido demonstrado – mas com toda certeza é mentira esteticamente. É feio. É kitsch, porque é por demais bem-proporcionado. Um deusinho dos sonhos, do qual ninguém tem medo. Um deus domesticado, homem bom elevado à bilionésima potência, sem qualquer elemento aterrorizante. Uma divindade cuja graça pode me levar pra bem pertinho do céu, mas não pode me pôr lá dentro. No final, todos os que seremos salvos, o seremos graças a Deus e a nós. Lutero riria desse Deus. É Erasmiano demais para um bom protestante.

É mentira. Só pode ser mentira. Eu sei que aquele momento foi uma dádiva. Pois ele queimou em meu ventre, tanto quanto o dia da minha conversão. Cada cor, cada cheiro, cada milímetro, cada segundo, e cada ação humana, foi uma dádiva única. Por isso tudo fazia sentido. Todo aquele momento foi expressão, em sua unidade e plenitude, da beleza divina e de seu amor. Essa é a verdade deliciosa. Respire-a, sinta-a em seus pulmões!

Graças a Deus! Graças a Deus!

Pois eu não vivo no mundo antropocêntrico do Teísmo Aberto. E também porque o teísta-aberto vive comigo, no mundo de Deus.

Graças a Deus! Pois todos nós vivemos no mundo real – eu e meus irmãos teístas-abertos. O mundo real, sobre o qual Deus é soberano sobre todas as coisas. O mundo no qual podemos encher a boca e exclamar,

Graças a Deus!

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Introduzindo Alvin Plantinga

Caros leitores,

Recentemente saiu um artigo meu sobre a epistemologia de Alvin Plantinga, um filósofo cristão bastante influente, de orientação calvinista. Trata-se de um artigo introdutório, para uma primeira aproximação ao pensamento plantingiano mas, ao mesmo tempo, pode ajudar bastante aqueles que precisam articular melhor a sua visão sobre a relação entre a fé em Deus e a racionalidade.

O artigo é intitulado "A Basicalidade da Crença em Deus segundo Alvin Plantinga", e foi publicado na Horizonte: revista de estudos de teologia e ciências da religião, da PUC MINAS. Está disponível em PDF.

Eu gostaria de receber observações críticas daqueles que puderem ler o artigo!

Para quem quiser saber um pouco mais sobre Alvin Plantinga, clicar no link abaixo:

Alvin Plantinga

Família Carvalho em L'Abri: Relatório 01














FAMÍLIA CARVALHO

PROJETO PRO-L'ABRI BRASIL

RELATÓRIO 01 – MARÇO/ABRIL DE 2007

L’Abri Fellowship
The Manor House

Greatham, Liss
Hants, GU33 6HF

06 de Abril de 2007

Caros irmãos e amigos,

Este é o nosso primeiro "report" sobre as nossas experiências aqui em L'Abri, e sobre o andamento do projeto. Temos a intenção de enviar este relatório mensalmente, se o Senhor o permitir. E nos alegramos por ter vocês como parceiros de caminhada.

Sobre o Lugar

Estamos entrando em nossa terceira semana aqui no L'Abri da Inglaterra. A missão fica na região sul do país, em Hampshire, em uma vila próxima a Liss, chamada Greatham. O lugar não têm grande densidade populacional, é bonito e têm uma história interessante.

O L'Abri funciona em uma antiga "Manor", o nome para a casa principal de um dote de terra - algo como a "Casa Grande" do Brasil colonial. Na região há muitas mansões de pessoas ricas e com grandes propriedades, que foram construídas (ou ampliadas) principalmente a partir do século XVII. Trata-se de uma enorme mansão, cujas bases tem cerca de 350 anos, com muitos quartos, apartamentos e algumas casas anexas.


Nós estamos na "School House" (à esquerda), uma casinha próxima, a uns 30 metros da Manor House, construída originalmente para ser uma escola, há cerca de 150 anos atrás. A casa foi limpa, pintada, e parcialmente mobiliada só para nos receber! Temos uma cozinha montada, e aquecedor, o que ajuda bastante a agüentar o frio.

E nos fundos da casa, está a antiga Igreja de Saint John the Baptist - uma igreja do século XIII, que está em ruínas. Tem até o túmulo de um autêntico cavaleiro cruzado, sagrado pelo próprio Rei da Inglaterra na Idade Média!

Há muitas coisas antigas e interessantes aqui. Na pequena cidade de Petersfield, há uma igreja Anglicana que tem funcionado há mais de 800 anos. Parece um grande castelo medieval, mas é uma igreja cristã ativa.

Adaptação

A Alessandra e as meninas sofreram um pouco, no início, devido às dificuldades com a língua. Eu também tive alguma dificuldade mas, como sempre li muito em inglês, estou conseguindo me virar, graças a Deus! Na verdade, está um pouco melhor do que eu esperava.

Ademais, como o Andrew Fellows (o diretor da England L'abri) observou, o Senhor nos concedeu suas "suaves misericórdias": Clark, um dos estudantes da casa, que é professor de inglês especializado em introduzir estrangeiros no idioma, se ofereceu para dar as lições básicas para a Alessandra. Compramos uma gramática e ela teve algumas aulas que foram muito importantes. Agora, ela já consegue entender alguma coisa. Graças a Deus!

E fizemos algumas amizades aqui. Louise, Stephan, Nathan, Clark e Julie (sua esposa), David, e outros. Mas tarde vamos postar fotos de todo esse pessoal. Este da foto é o David, um americano de Massachussets que ama a cultura irlandesa. As meninas adoram ouví-lo tocar flauta.

Outra questão difícil é a comida. Eu sou capaz de comer quase qualquer coisa (exceto, como a Giselle vai concordar, o Marmite - isso é intragável!). Mas é difícil fazer as meninas comerem. Assim, algumas refeições tem de ser feitas na nossa cozinha, e fazer compras semanais tornou-se uma necessidade.

E isso nos leva a uma terceira dificuldade: o transporte. Estamos no interior – o que, no Brasil, chamamos de “roça”. Naturalmente, trata-se de um nível de vida bem mais alto. Todo mundo tem carro, e o transporte público é bem caro. Um exemplo: para ir de trem com a família à cidade grande mais próxima (Portsmouth) o custo total é cerca de 38 libras, o que dá uns 170 ou 180 reais. Mas para as compras semanais, temos uma carona para uma cidadezinha próxima (Petersfield).

A Rotina do L'Abri

Com certeza vamos precisar de mais tempo de adaptacão, mas o ritmo do L'abri já esta se tornando uma coisa familiar.

Todos os dias temos um café da manhã comunitário, na Manor House, às 8h00, finalizado com uma reflexão matinal, por um worker, e apresentação da agenda do dia.

Após a lavagem da louça, temos um pequeno culto na capela das 9h10 às 9h40. É um culto bem litúrgico, com leitura de salmos e orações escritas - o Andrew Fellows é ministro anglicano, e gosta desse estilo antigo, que remonta à idade média. Mas eu confesso que estou gostando muito da experiência.

Na segunda feira este culto é mais extenso, pois a segunda é o "dia internacional de oração" do L'Abri, quando todas as l'abris se unem em intercessão. A oração é levada a sério aqui. Isto tem sido uma característica da missão desde o início.

Segue-se um período de trabalho e/ou estudo, e então, às 13h00, temos o almoço. Neste momento os estudantes são divididos em dois ou três grupos, e cada grupo almoça na casa de um worker. Trata-se da famosa "luch discussion", ou "discussão do almoço": tipicamente, abre-se o espaço para perguntas, e um estudante pode levantar uma questão para debate. Fazer perguntas é uma coisa muito importante aqui no L'Abri. Normalmente a discussão se encerra às 14h30, e o worker que coordena a discussão pergunta por dois ou três voluntários para ajudarem a lavar a louça.

À tarde temos outro período de trabalho/estudo, que se encerra às 18h30, com o jantar na casa de um dos workers. Após o jantar o tempo é livre nas segundas, terças, quintas e sábados.

Nas quartas e sextas é diferente: temos as "Lectures", palestras sobre temas específicos de teologia, filosofia cristã e espiritualidade, por workers ou convidados. Até o momento, assisti a palestras muito ricas sobre epistemologia, doutrina da criação, sobre a função da memória na vida humana e sobre as críticas do biólogo ateu Richard Dawkins contra o cristianismo.

Finalmente, temos o "High Tea", um jantar especial no domingo à noite, com espaço para música, leitura de poesias, discussão, etc. Um tempo livre de convivência. A Alessandra já cantou em dois High Tea: cânticos da igreja e Milton Nascimento!

Todo estudante é orientado a ocupar metade do dia com trabalho e metade com estudos. Fica a critério do estudante o que ele fará de manhã e o que fará à tarde. Todos os dias, pouco antes do café, é afixada no mural uma lista dos trabalhos do dia, e os estudantes recebem suas tarefas: cortar grama, fazer o almoço, lavar banheiros, cuidar da lavanderia, etc. E há muito trabalho a fazer, pois a Manor House é uma mansão gigantesca!

Logo após a nossa chegada, procuramos a Louise (responsável pela worklist) para saber o que fazer na Manor House. Mas ela nos disse que esta rotina se aplica a estudantes solteiros. Em nosso caso, como viemos como uma família, o nosso trabalho seria o de cuidar da família e da "School House" - a casa em que estamos morando. Ela nos explicou ainda que isto é um valor central do L'Abri: a convivência familiar.

Como eu ia dizendo, o dia tem dois grandes períodos: o tempo de estudo e o tempo de trabalho. O tempo de
estudo é passado na biblioteca ou na "sala de estudos" (Study Room), onde há literalmente centenas de fitas cassete com gravações de palestras sobre os mais variados temas, reunidas desde a época que Francis Schaeffer começou o L'Abri, na década de 1950: teologia, estudos bíblicos, política, arte, música antiga e contemporânea, psicologia, espiritualidade, ciência, história, e mais um monte de coisas. Na sala há toca-fitas para todos mas, se alguém preferir, pode ouvir palestras em CD ou mp3 (mas a maior parte das palestras só está disponível em fitas).

Cada estudante pode também escolher um dos grupos de estudo que se reúne nas segundas, para estudar um tema especial. Finalmente, cada estudante têm um ou mais encontros semanais com o seu tutor, que o acompanha nos estudos e também em seu crescimento espiritual.

A Alessandra ocupa a maior parte de seu tempo de estudos com o Inglês. Meu tempo é dividido entre o Inglês e os estudos teológicos e filosóficos. Estou estudando Alister McGrath e Thomas Torrance. Além disso, Andrew Fellows, meu tutor, me recomendou a leitura de um clássico recente do teólogo inglês Colin Gunton: The One, The Three and the Many: God, Creation and the Culture of Modernity. Estamos estudando juntos as implicações da doutrina da trindade para a filosofia e para uma cosmovisão cristã.

Nos domingos, os estudantes vão, geralmente, a uma das três igrejas que nasceram do L'Abri: A Trinity Church, a International Presbiterian Church (IPC) e a Hope Church. Esta última é a mais próxima da Manor House, razão pela qual estamos frequentando-a. É uma igreja tradicional, muito calorosa e com uma ótima mensagem.

No último domingo foi a despedida da Joyce Adriani, obreira do CADI (uma outra org da nossa Rede de Cosmovisão e Transformação) junto com o Maurício Cunha e o Marcel, ficou aqui durante seis meses. Todo mundo aqui gostou muito dela. Na foto está Andrew Fellows, orando no momento da despedida da igreja.

A Equipe do L'Abri

Temos vários casais de "workers" (obreiros), aqui. O Jim e a Merran Paul (ele, médico, e ela psicoterapeuta), o Stephan e a Louise Lindholm (suecos; ele estuda teologia na Noruega), o Jeff Dryden com sua esposa (ele concluiu o doutorado em Cambridge e esta indo para a America, para ser professor de Teologia no Calvin College). E, claro, Andrew e Helen Fellows, o casal que lidera a missão. Temos tambem duas solteiras: a Martha, que é hungara, e doutora em sociologia, e a Edith Reitsema, sul-africana e doutora em filosofia. São pessoas experientes no mundo acadêmico, mas também muito experientes com o trabalho pastoral, capazes de conversar com qualquer um, do professor universitario ao adolescente que apenas comecou a pensar no que quer da vida.

Após os primeiros três dias, costumeiramente, Stephan indica um tutor para cada novo estudante no labri. Nós ficamos sob a responsabilidade dos Fellows: Andrew é o meu tutor e Helen esta ajudando a Alessandra. Mas ela esta desenvolvendo uma boa amizade com a Louise, esposa do Stephan.

O Andrew e sua esposa são pessoas realmente maravilhosas. É impressionante, para mim, a capacidade do Andrew de captar a condição interior de cada pessoa, e de entender o que está se passando com alguns dias de observacão. Fiquei surpreendido tambem com a sua percepção da situação da igreja no Brasil. Até parece que ele viveu ai por algum tempo! Me lembro de ter visto tal nível de discernimento espiritual apenas no Titus, nosso amigo da Indonésia.

Contatos e Planos

Por sinal, o Titus está na base da WEC, em Londres, e já entrou em contato conosco. Temos planos de nos encontrar em Londres na semana entre os dias 9 e 15 de Abril, mas isto ainda está em discussão e planejamento.

O Rodolfo passou um periodo maravilhoso no L'Abri da Holanda, e está vindo encontrar-se conosco no dia 10 de Abril. Eu creio que isto será otimo para a Lê e para as meninas. A Joyce (obreira do CADI, junto com o Mauricio) completou 6 meses aqui no L'Abri, e retorna para o Brasil no dia 09. Ela ajudou bastante a Alessandra com o inglês. Assim, o Rodolfo vai chegar bem na hora, para ajudar com a língua!

Motivos de Oração e Agradecimentos

Em primeiro lugar, queremos agradecer a Deus por seu cuidado. Até agora ele tem suprido todas as nossas necessidades. Precisávamos, por exemplo, de um computador para manter contato pela internet e ganhamos um no início da semana, de um simpático senhor chamado John Barrs.

Outra coisa maravilhosa, à qual nos referimos, foi a tremenda hospitalidade e compreensão da equipe do l'abri. Eles fizeram um grande esforço para preparar tudo para a nossa chegada. Houve até uma campanha entre as igrejas próximas (há três igrejas aqui que nasceram do l'abri: a Trinity Church, a International Presbiterian Church e a Hope Church), para mobiliar a casa.

Mas há desafios. A Ana Elisa está frequentando a mesma escola que a Hope, a filha do Andrew. É uma escola anglicana, gratuita. A Ana gosta da escola, mas às vezes tem problemas com coleguinhas, que não são compreensivos com a dificuldade de compreensão da língua. A Ana fica triste com isso, às vezes. Já a Heleninha sofre porque não há vagas disponíveis para ela, ao menos até setembro. Ela pede para ver a “estelinha” (sua colega de classe no Brasil) a todo momento. Precisamos de suas orações neste ponto.

Outra questão é a saúde. A Ana e a Helena estavam com problemas respiratórios nas duas semanas anteriores.
Ainda não sararam de todo, mas a experiência nos deixou um pouco alarmados. Visitas ao médico aqui são extremamente caras, de modo que o Andrew nos orientou a fazer um seguro-saúde. Vamos fazer uma pesquisa nos próximos dias para tomar uma decisão a respeito, mas já está claro que não podemos nos arriscar a passar um ano inteiro aqui, com crianças, sem nenhum tipo de seguro.

Um terceiro ponto de intercessão é a renovação do visto do Rodolfo em junho, e o nosso em setembro. Sabemos que isto é muito difícil, mas o Andrew entrou em contato com um advogado, membro da Trinity Church, que é seu amigo pessoal, para auxiliar no processo. O Andrew já manifestou explicitamente o seu interesse em nos manter aqui até o fim do ano, para aproveitarmos o máximo possível. Mas precisamos das orações dos irmãos quanto a isto.

Enfim, agradecemos a toda a nossa família no Brasil, a todos os irmãos que estão nos apoiando, à Missão Amém (WEC) Brasil (Pr. Rosifran) e, em especial, às igrejas que nos ajudaram de alguma forma: a Igreja Batista do Caiçara, nossa principal mantenedora (Pr. Elildo e Noemi), a Comunidade Cristã Betesda (Pr. Esmeralda e Jarbas) e a Igreja Cristã Injili (Pr. Suadi - os irmãos Indonésios) em Mogi das Cruzes.

Graças a Deus por suas Misericórdias!


Guilherme,
Alessandra,
Ana Elisa e
Helena Cavalho.



Contatos e Apoio:

Para receber mais informações e apoiar o projeto pro-L’Abri Brasil, escreva diretamente para nós, pelo email guilherme.alessandra@gmail.com, ou entre em contato com Vanessa Belmonte, nosso contato no Brasil, pelo email vabelmonte@yahoo.com.br.

Contribuições podem ser feitas diretamente a Vanessa Belmonte, ou através de depósito bancário na conta abaixo:

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AG: 0036
CONTA: 8723498
TITULAR: Guilherme V. R. Carvalho

O Paradoxo da Ciência Policial da Religião

O último informativo da PUC MINAS (Belo Horizonte, edição 277, set 2006) traz uma reportagem especial sobre ciência e fé, por ocasião da instalação da Pastoral na Universidade. Começa com a entrevista a Dom Joaquim Mol, vice reitor, para quem "houve uma incompreensão histórica em se achar que a ciência e a fé respondiam à mesma pergunta [...] A pergunta da ciência é "como eu existo?" E a pergunta da fé é "que sentido tem a minha existência"? Outro entrevistado, Paulo Agostinho, professor de Cultura Religiosa na PUC - foi professor da minha esposa - sustenta posição semelhante. A reportagem traz também informações sobre a Pastoral e sobre o curso de Ciências da Religião.

Ainda Fatos e Valores?

À primeira vista, parece fazer sentido a distinção: a ciência lida com "fatos", e a fé com "valores". Mas eu não posso ver um avanço significativo no diálogo entre a religião e a ciência enquanto o debate continua sequestrado pela divisão kantiana, na origem, entre fatos sem sentido e sentido sem fatos (ou quase). A verdade é que a fé envolve conhecimentos que tem incidência direta sobre a interpretação dos fatos, a ponto de torná-los em fatos diferentes.

De todo modo, é uma guinada muito interessante essa. Embora evangélico, sempre me senti bastante incomodado pelo fato de os católicos saírem da PUC muito menos católicos, e muito mais ateístas ou agnósticos! Já não era sem tempo - se bem que não posso dizer até que ponto as mudanças refletem um interesse pastoral local ou a ênfase positiva e mais conservadora de Ratzinger no campo das relações entre fé, razão, e ciência.

Ciência (Combativa?) da Religião

Uma coluna na página 10, no entanto, me chamou a atenção de modo especial. Intitulada "Religião como objeto científico", pretendia explicar o papel das ciências da religião no universo da PUC, e a justificativa foi curiosíssima:

" 'O que nos diferencia da teologia é que, para nós, a religião é o objeto. E precisamos avançar na investigação científica para poder combater, por exemplo, o fundamentalismo' explica Flávio Senra, coordenador do programa [...] 'não podemos fechar os olhos para o fato de que cresce uma instância conservadora de princípios na sociedade. Nós que somos leigos, cientistas, estudiosos, precisamos assumir o discurso da explicação religiosa. A explicação religiosa apenas nas mãos dos fanáticos religiosos é como uma bomba-relógio', alerta Senra."

Na verdade, faz muito sentido. O crescimento do fundamentalismo islâmico, pondo em perigo a segurança mundial, merece resposta séria e corajosa. Mas este não é, evidentemente, o problema aqui no Brasil; tenho a impressão de que Senra se refere ao fundamentalismo cristão, em suas formas católica e evangélica. Entretanto, não há nada parecido com o fundamentalismo islâmico por essas terras, do ponto de vista da violência e do totalitarismo. Mesmo o fundamentalismo norte-americano, que tanto influenciou o evangelismo brasileiro, tem características profundamente individualistas, oriundas da Reforma Radical, em suas formas pacifistas, e do puritanismo inglês.

Talvez Senra esteja se referindo ao "conservadorismo de príncípios" na sociedade. Ora, se ele se refere ao conservadorismo católico, isto é realmente um problema; a reportagem expondo a natureza e finalidade da pastoral universitária parece pender em uma direção bastante conservadora! Mais provavelmente, ele se refere ao conservadorismo descentralizado (ou sem controle papal) que se vê na comunidade evangélica.

A linguagem bélica de Senra é que surpreende. "Combater", "bomba-relógio". Talvez seja mesmo necessário combater o fundamentalismo evangélico; mas é no mínimo intrigante que um programa científico universitário seja definido nesses termos. Ou não. No último congresso da SOTER, em Belo Horizonte, a mesa redonda sobre Religião e Ciência, coordenada por uma equipe da PUC de São Paulo definiu a sua perspectiva nos mesmos termos. Isso não parece mesmo nem um pouco ecumênico. Não; é mesmo paradoxal, que aqueles interessados em superar o fundamentalismo se tornem, de repente, tão parecidos com Ratzinger.

Ciência (Iluminista?) da Religião: O Paradoxo Brasileiro

Há, na atualidade, um grande movimento internacional que busca reconectar religião e ciência e, especificamente, teologia e ciências naturais. Este movimento conta, principalmente, com teólogos, filósofos e cientistas da natureza, na maioria físicos e químicos. A participação de psicólogos, cientistas políticos, cientistas sociais, e cientistas da religião ainda é bem pequena.

No Brasil, que ainda não acordou para essa realidade, tenho presenciado um movimento distinto, que nos ajuda a entender as palavras de Senra. Há uma luta, em parte política, em parte epistemológica, para traçar os limites entre as Ciências da Religião e a Teologia, no Brasil. O líder do movimento para separar os dois campos, por aqui, é o Dr. Frank Usarski, da PUC de São Paulo, no que é seguido pelas outras PUCs e, em parte, pelo Depto de Ciências da Religião da UFJF - se bem que vários professores em Juiz de Fora são teólogos.

Por outro lado, na UMESP, o Dr. Etienne Alfred Higuet - meu orientador - defende a viabilidade do diálogo, incluindo a teologia (em uma forma não-confessional, e hermenêutica) entre as ciências da religião. Finalmente, o Depto de Ciências da Religião da Mackenzie discute a possibilidade de uma Ciência da Religião Confessional (reformada)!

A necessidade de ganhar um "lugar ao sol" para as Ciências da Religião, no contexto Brasileiro, criou a exigência de distinguí-las da teologia, e de iniciar um movimento contrário àquele que se desenha no cenário internacional, de reaproximação. Poderíamos dizer, talvez, que o estudo científico da religião é a última estação de desembarque de uma forma não-hermenêutica e objetificante de ciência que, agora, entra em crise e inicia a reaproximação da teologia. Era de se esperar, neste contexto, que as ciências da religião se empenhassem por um diálogo com a teologia, mas o atraso histórico está criando uma instância iluminista em um contexto pós-iluminista.

Policiamento Científico do Sagrado?

Temos, pois, uma forma de Ciência da Religião bastante moderna - em plena "pós-modernidade" (será?) cuja função é, nas palavras de John Milbank, "policiar o sagrado". O policiamento segue o padrão típico da modernidade: a redução crítica e a naturalização. Mais do que isso, o policiamento tem um interesse político e social que transcende o interesse científico imediato: vigiar aquelas formas irracionais e bárbaras de religiosidade que possam pôr em perigo a divisão moderna entre saber científico e sentido religioso, que sustenta contenção dos religiosos em suas gaiolas dominicais.

Mas o que dizer contra isso? Se há uma ambiguidade fundamental em todos os empreendimentos humanos, não seria este o caso, também da religião? Se ela representa risco, não seria corretíssimo vigiá-la? Sem dúvida. Não posso ver problema nisso.

Exceto na medida em que não temos uma instância científica semelhante para policiar a secularidade. Ninguém policia a secularidade; mas dela se originaram as piores catástrofes políticas do século XX, ainda não igualadas pela religião. A ciência da religião poderia cumprir tal papel, se adotasse um conceito muito mais amplo de religião, e se voltasse para os insights da teologia, como os encontramos em Paul Tillich, Jacques Ellul ou Herman Dooyeweerd. Mas é claro que ela não pode fazer isso, na medida em que apenas objetifica a religião.

O problema são as anomalias advindas dessa restrição voluntária do campo de visão. Recentemente, pouco antes de apresentar uma comunicação sobre Religião e Ciência na Semana de Estudos de Religião da UMESP, assisti a uma palestra na qual o comunicador alegou que o fundamentalismo religioso protestante norte americano (Bush) seria a causa principal da violenta reação islâmica. Eu objetei apontando o fato de que o conflito com o Islã já era um problema social em toda a Europa antes de Bush, e que diversas rusgas com os muçulmanos não tem absolutamente nenhuma relação com o protestantismo americano - vide a "Crise das Charges", e as recentes declarações de Bento XVI. Obviamente, toda a análise não passava de uma ilusão de ótica, gerada por um standpoint secularista e, diga-se de passagem, de uma grande má-vontade para com a religião. A verdade, muito bem sabida pelos especialistas em política internacional, é que o conflito do Islã se dá com o Ocidente Secular, não com o "fundamentalismo religioso americano".

Segue-se que, para não cair em um mero policiamento acrítico do sagrado - acrítico sobre as suas próprias conexões tácitas com projetos humanos seculares e secularizantes - as ciências da religião deveriam iniciar seu diálogo com a teologia imediatamente, ao invés de adiá-lo para daqui há duzentos anos, e esforçar-se por entrar na grande conversa contemporânea sobre as relações entre a religião e a ciência.

Em suma, as Ciências da Religião precisam deixar a estratégia de objetificar a religião, e entrar em um diálogo real com ela, permitindo-se ser compreendidas também teologicamente, pela religião; e se queremos que o fundamentalismo entregue suas armas totalistas pelo diálogo, precisamos baixar as armas cientificistas. Afinal, como o disse o Prof. Paulo Agostinho,

"Há um fundamentalismo científico, bélico, econômico. Precisamos ter uma ciência que dialogue com a religião"

Parodiando a sua frase, eu diria que há um fundamentalismo secular por trás da Ciência policial da Religião. O que precisamos, hoje, não é de uma campanha contra o fundamentalismo religioso, mas de uma Ciência da Religião que dialogue com a Religião.

Paul Tillich I

Tillich acertadamente distingue entre a fé e as outras funções do sujeito; a fé não se confunde com o conhecimento, nem com a ação, a princípio. Mas ele prossegue: trata-se da condição subjacente, extática, que permeia o agir e o saber, ao torná-los sua expressão; e ela mesma é a apreensão do Incondicional como fundamento; é uma direção para este fundamento.

Parece problemática, no entanto, a sua afirmação de que a fé não é uma função especial ao lado das outras. Ele explicitamente distingue a confiança e a obediência, da fé; alista, de fato, a fiducia entre os "componentes" da fé, mas não deixa clara a sua relação com a cognição e a prática (obediência). Eu penso, no entanto, que a fiducia seria exatamente um elemento, central na fé, que está ao lado do agir e do saber (assensus) como função distinta, no espírito humano. E o que Tillich define como fé - a orientação para o Incondicionado - parece ser algo que, acima de qualquer dúvida, está relacionado à fé, mas que a transcende. Vamos chamar essa orientação, experimentalmente, de religião.

Talvez fosse possível pensar, então, na religião como o direcionamento para o incondicionado. A descrença autonomista (unfaith) seria a areligião - ou, talvez, uma forma de anti-religião - anti no sentido de inversão, de alternativa equivalente - não no sentido de não ser religiosa, mas de ser religiosa de um modo oculto, subreptício. Permaneceríamos, assim, admitindo a presença da fé na anti-religião autônoma e na religião heterônoma. A cultura autônoma vive na fé, portanto, mas na busca de uma negação do incondicional; como diz Tillich, ela não intenciona o incondicional (ou, eu diria, não o faz conscientemente).

Entretanto, já distinguimos entre fé e religião/anti-religião. Se definirmos religião/anti-religião como o direcionamento para o incondicionado, é preciso levantar uma questão: porquê, agora, chamar isso de fé? Não seria melhor seguir a intuição religiosa, e distinguir a fé de outras funções, como a ética e a cognitiva? Afinal de contas, precisamos dar um "nome" para a fiducia, este elemento de confiança incondicional, que também se dirige para o fundamento, mas de um modo diferente do amor, da prática e do pensar. Se a fiducia não for a fé, então, o que é?

Admitimos, é claro, que "religião" para Tillich é mais do que a orientação para o incondicional. Mas ele usa o termo com sentidos variados, conforme o contexto, e é possível mostrar que, em pelo menos alguns deles, o sentido de "religião" e de "fé" se confundem em Tillich. Esse fato pede maior atenção crítica.

Iniciando!