sexta-feira, 15 de junho de 2007

Família Carvalho em L'Abri: Relatório 03


FAMÍLIA CARVALHO

PROJETO PRO-L’ABRI BRASIL

RELATÓRIO 03

RELATÓRIO 03 – MAIO-JUNHO DE 2007
L’Abri Fellowship
The Manor House

Greatham, Liss
Hants, GU33 6HF

Hoje, sexta feira, 15 de Junho, completamos três meses em L’Abri!


Adaptação

Temos algumas boas notícias a respeito da adaptação. Duas semanas atrás Ana Elisa finalmente começou a falar inglês. Um rapaz chamado John, que esteve no L’Abri apenas por alguns dias, veio à School House para perguntar alguma coisa para nós – acho que para a Alessandra, mas não estou muito certo disso. O Rodolfo não estava, nem a Lê, e eu estava por perto (no banheiro, para ser preciso), e a Aninha teve que dar conta do recado; e deu! E de lá eu a ouvi conversando com o John, como se já vivesse aqui há muito tempo. Isto foi realmente maravilhoso...

É claro que ela não ainda não segue a gramática – ao menos, não conscientemente. Mas já consegue desenvolver boas conversas, e está traduzindo as coisas para a Alessandra. Isto é realmente bom – agora me sinto mais seguro, quando preciso estar fora por alguma razão, porque sei que a Aninha dá conta do recado e explica tudo pra mamãe. Dá pra acreditar? Estou realmente achando que a Aninha vai me ultrapassar no inglês com mais dois meses.

A professora da Helena na Greatham Nursery disse que ela também está começando a conversar com os coleguinhas. Aqui no L’Abri ela tenta se expressar em inglês principalmente quando está brincando com as crianças. E já está entendendo muita coisa. Outro dia, na Hope Church, o O.J. (neto do Francis Schaeffer) perguntou para a Helena: “Beautiful hair! Who made it to you?” (Que cabelo bonito! Quem fez pra você?). E ela respondeu: “My mommy!”

A Lê continua recebendo aulas da Karrie, e eu também estou estudando por minha conta. Meu nível de compreensão está relativamente bom; exceto por alguns problemas com os sotaques e qualquer coisa que não possa ser traduzida facilmente para o filosofês. Há um casal de australianos muito legais aqui, mas algumas vezes eu não entendo uma palavra. Às vezes até o Rodolfo não consegue compreender. Da primeira vez que conversamos eu tive que entrar no automático: “ok, vou dizer três “yes” para cada “no”. Aparentemente funcionou... Agora está um pouco melhor; eu entendo a metade do que a Andy fala. Quando ao John, estou ainda no “yes” e “no”...


Aniversários

Helena fez 4 aninhos no dia 08 de Maio. A Helen preparou uma festinha, em sua casa mesmo, e comprou brinquedos! Os workers foram muito legais com ela... No mesmo dia chegou Marsh Moyle, uma das boas amizades que fizemos aqui. Gente finíssima. Vamos falar mais a respeito.

Ana Elisa completou 9 aninhos em 06 de Junho. Fizemos uma festa no jardim, e convidamos todos os workers. E todos vieram! Louise ajudou a fazer uns bolos deliciosos, receita sueca. Vieram também alguns estudantes do L'abri, amigos dela (Nathan e Spencer), e umas coleguinhas da Ana na Rake School - Merran, esposa do Jim (worker) ficou surpresa sobre como a Ana conseguiu fazer amigas tão rápido. Ela nos disse que isto é raro e lento aqui; de fato, eu li alguma coisa, acho que foi no The Guardian, a respeito do decréscimo nas amizades entre jovens e crianças. Isto é uma preocupação nacional.


Visita do Titus

Uma coisa muito boa que aconteceu no finalzinho do breaktime foi a visita do Titus num sábado. Na sexta ele ligou pra nós dizendo que estava vindo (de Bulstrode, base da Amem) e apareceu aqui cheio de “comidas” – bem a seu estilo mesmo... Ficou aqui apenas de um dia para o outro, pois no domingo à tarde ele ia pregar na embaixada da Indonésia em Londres e logo em seguida ia para uma série de conferências nos EUA. Dessas conferências ele iria direto para a África, retomar o trabalho em Guiné Bissau.


L’Abri Training Week

Na terceira semana de Maio tivemos a semana de treinamento do L’abri para líderes estudantis. O Jim (L’abri worker) foi responsável pela organização do evento. O L’abri recebeu estudantes de diversos países: Inglaterra, Suécia, África do Sul, Canadá, US, Escócia, e – Portugal! Além dos brasileiros, é claro.

O evento foi muitíssimo interessante; foi uma espécie de “experiência concentrada” de L’abri, voltada para estudantes, como eu disse. A maioria era de membros de IFES, UCCF e também de uma associação de médicos cristãos. Andrew e Jim me explicaram que a maior parte dos estudantes do L’abri não vem da Inglaterra, mas da América e de outros lugares. E eles estão tentando gerar um público interno – atrair os ingleses. Em outra oportunidade o Andrew observou que “Francis Schaeffer nunca foi aceito neste país”. Curioso. Me lembro que Richard Russell nos disse algo semelhante a respeito de Herman Dooyeweerd. Eu suspeito que isto têm algo a ver com a crítica reformada à teologia natural, que é uma tradição do cristianismo inglês. De algum modo os americanos descobriram primeiro aonde isto vai dar.

Durante a semana tivemos palestras sobre “A trindade e a realidade espiritual” (Andrew Fellows), “O que é espiritualidade” (Jim Paul), “A importância de fazer perguntas” (Edith Reitsema), “A apologética subversiva de Jesus” (Andrew), “Fazendo teologia na pós-modernidade” (Jeff Dryden) e, ao final, uma palestra de Ranald Macaulay sobre os desafios para a transformação da sociedade a partir do cristianismo.


Novos Contatos

Pouco antes da semana de treinamento, Andrew recebeu a visita de Marsh e Tula Moyle, que ficaram cerca de três semanas em L’abri. Um casal com uma bela história. Marsh nasceu em Malta, filho de ingleses. Seu pai deixou a fé ao se casar com sua mãe, que não era cristã. Em certa ocasião, ela convidou um pastor (metodista?) para uma entrevista com seus alunos (era ela professora), com o propósito de mostrar como o cristianismo é uma coisa ruim. Acontece que ela se converteu após a entrevista... Em seguida seu pai retornou à fé. Marsh tentou fazê-lo, mas a um modo típico dos jovens da época: tentou ser um existencialista cristão. Após viajar pela Inglaterra trabalhando em diferentes lugares, sofrendo tremendamente para pôr em prática seu cristianismo, Marsh foi trabalhar em um dos navios da OM (o logos, se não me engano), e lá encontrou um livro de Schaeffer – The God Who is There (“O Deus que Intervém”). Ele leu o livro inteiro em uma noite! Foi o princípio de sua recuperação.

Algum tempo depois Marsh deixou a OM para auxiliar um ministério que contrabandeava bíblias para países comunistas e lá encontrou Tula, uma finlandesa que já era uma “contrabandista” experiente! Depois de se casarem eles continuaram trabalhando com o leste europeu, a partir da base na Áustria, e juntos fundaram sete editoras. O último trabalho deles tem sido o CityGate, um ministério que treina líderes na europa oriental, baseado na Eslováquia. Mas o casal está pensando seriamente em se mudar para perto do L’abri. Eles estão orando para encontrar um lugar na região de Greatham, e devem tomar uma decisão ainda neste ano.

Os anos de comunismo destruíram em grande parte a confiança das pessoas entre si, a ponto de ser às vezes impossível compreender o que as pessoas estão dizendo. Segundo Marsh, é como se as pessoas quisessem dizer sempre o contrário do que estão dizendo. O trabalho do CityGate tem grandes semelhanças com a visão da Rede de Cosmovisão no Brasil. Sua proposta é de trabalhar para alterar os paradigmas da liderança, e promover um cristianismo mais “intramundano”, a partir da perspectiva de Schaeffer. Marsh tem recebido apoio de muita gente que passou pelo L’abri.

O Português que encontramos no treinamento era John Pallister, filho de Allan Pallister, um pastor inglês que se casou com uma portuguesa e vive hoje nos arredores de Lisboa. Allan é o fundador do “Canto da Rola”, um ministério semelhante ao L’abri que funciona na residência dos Pallister. John, que está para se casar no segundo semestre, é filósofo e líder estudantil em portugal, trabalhando com o GBU (Grupo Bíblico Universitário). John tem bastante interesse em estabelecer contatos com a ABU no Brasil. Para saber mais sobre o John, clique aqui.

No final da semana de treinamento nos encontramos com Ranald Macaulay, genro do Schaeffer (casado com Susie Macaulay Schaeffer). Um senhor idoso, mas completamente ativo, trabalhando como se fosse viver mais cinqüenta anos! Ranald fundou o L’abri da Inglaterra em 1971 e foi o mentor do Andrew Fellows. Depois de trabalhar aqui por alguns anos, Ranald fundou em Cambridge o Christian Heritage Center, dedicado a estudos de apologética e cosmovisão cristã voltados para estudantes universitários. Eu e o Rodolfo recebemos uma bolsa para participar de um curso de uma semana em Cambridge, no Sussex College – the “Summer School of Theology”. O palestrante será Wayne Grudem, e o tema, a doutrina da Escritura. O curso será em Julho. Estamos aguardando com expectativa.

Ranald veio nos procurar mutíssimo interessado pelo Brasil. Ele manifestou grande disposição de apoiar nosso trabalho de alguma forma, talvez através de uma parceria com o Christian Heritage. Isto é um ponto de oração.


Início do Segundo Termo de Estudos (Verão)

O segundo termo começou imediatamente após a semana de treinamento, lentamente. Os estudantes foram chegando aos poucos e, ao final da primeira semana, a casa já estava cheia. Temos vários estudantes que acabaram de sair da escola, e estão decidindo ainda o que fazer da vida. Há também pessoas mais velhas que vieram para trabalhar, como os australianos, que estão reformando o apartamento dos Dryden – Jeff Dryden foi com sua família para a América, para trabalhar como professor no Covenant College.

Na primeira quarta feira Andrew apresentou uma excelente palestra sobre a visão do L’abri e, na sexta, Stefan apresentou a sua sobre “Epistemologia da Virtude” (Virtue Epistemology). O seu ponto, muito interessante, é o de que racionalidade não é meramente trabalhar de forma inteligente ou precisa; as condições morais do indivíduo interferem decisivamente em sua atividade intelectual, e a aquisição de virtudes morais é fundamental para a verdadeira racionalidade. Stefan mostrou a origem dessa forma de reflexão, começando com Aristóteles, e como a modernidade perdeu esta característica. Entre os líderes do movimento de recuperação dessa perspectiva está Linda Zagzebski.

As implicações disso são óbvias. É irracional, por exemplo, tentar resolver questões como a própria crença na existência de Deus sem considerar seriamente as condições morais do investigador e a sua disposição mental ao examinar a questão. Até uma criança genuinamente aberta para uma relação pessoal com Deus, nestes termos, pode ser considerada mais racional do que um filósofo tarimbado.

Não teve alguém que disse que só quem se fizer como uma criança entrará no reino dos céus?


Tutoria e o Sentido do L’abri

Andrew passou-me um artigo do filósofo americano Paul K. Moser lidando exatamente com esta questão da virtue epistemology, aplicada à religião: que tipo de disposição de caráter é necessária para a busca intelectual por Deus. Moser argumenta que ser racional envolve a posse de certas virtudes e disposições, e que a forma típica da filosofia analítica americana de tratar a questão, em termos de validade lógica ou empírica de proposições não é suficiente, dadas as implicações existenciais e globais da crença em Deus. Em linguagem bíblica: só os puros de coração verão a Deus.



Mas isso foi no final do período anterior de tutoria. Nós recomeçamos agora: O Jim é o tutor do Rodolfo, a Helen (esposa do Andrew) é a tutora da Lê e o Andrew o meu tutor. Nossos períodos de conversa tem sido ótimos; tenho aprendido muita coisa.

Começando pelo significado do L’abri. Andrew me disse tempos atrás que “a vida comunitária é o mais subversivo ato político possível hoje”. Eu realmente só comecei a compreender isto vivendo aqui no L’abri. Não se trata de nada muito “engajado” no sentido explícito; algumas vezes soa anabatista. Mas na verdade é absolutamente engajado – no sentido de que aqui há uma ruptura explícita e, curiosamente, não-utópica, com o sistema atual de consumo-individualismo-ilusão. Com o sistema hiper-moderno de cultura.

Como discutimos no encontro da Rede de Cosmovisão, no ano passado, a partir da palestra do Matt Bonzo, a cultura contemporânea é marcada pelo “achatamento” consumista, que elimina a diversidade da experiência humana ao sujeitar tudo à lógica do consumo, em nome da liberdade e do prazer. O mercado cria indivíduos livres de conexões comunitárias fortes, viciados em experiências de consumo imediatas e sem conexões históricas. O resultado disso é que as pessoas se tornam “rasas”, ou “finas”, como fantasmas – você quase pode quase passar a mão através delas. São pessoas sem passado, cujo presente e o futuro é definido em termos de uma experiência de ter coisas. São individualistas, incapazes de viver muito tempo com pessoas reais, “densas”, porque vivem em um mundo virtual, feito de shopping-centers, comerciais de televisão e catálogos de compras.

Ao sair do “mundo real” e criar um mundo diferente, no qual a família é importante, no qual experimentamos a legitimidade de diversas formas de experiência, além da carreira e do consumo de bens (há oração todos os dias, tempo livre, cooperação na cozinha, na limpeza e nos jardins, muito papo, vida familiar, estudo e reflexão de alto nível, e arte – temos até um “sarau” nos domingos à noite) o L’abri conduz a pessoa a uma experiência da realidade real (a “verdade verdadeira” de Schaeffer). O resultado é que o “mundo real” passa a ser, claramente, o “mundo virtual”, como na realidade é. O sistema moderno baseado no consumo é um simulacro.

Deus criou o mundo real. Qualquer coisa fora da vontade de Deus só pode ser o irreal. Basta ler 1João para entender isso.

A vida integral, em comunidade e com Deus, é central para este reencontro com a “hombridade” – a humaness de Schaeffer. Para reencontramos o que nós somos, como seres humanos. Neste respeito, o livro “The One, the Three and the Many”, do teólogo inglês Colin Gunton (Ex-Professor no King’s College), que o Andrew me recomendou, tem sido de imensa ajuda. Sua ênfase na integração de individualidade e comunidade na Trindade, como ponto de partida para uma “ontologia social” ajuda a entender o que está errado com as teologias políticas atuais, que privilegiam o indivíduo (direita) ou o coletivo (esquerda). Nesse sentido, de fato, não haveria um ato político mais subversivo do que viver em comunidade, de tal modo que a individualidade e a participação comum sejam mutuamente reforçadas, ao invés de se porem em conflito auto-destrutivo.

Isto é um resumo do que temos conversado e refletido. A grande questão é: como construir a vida comunitária, no sentido de uma forma de existência pessoal e relacional integral diante de Deus? Como viver isto em uma grande cidade (é possível?). Como livrar a vida familiar da degradação urbana?

De todo modo, parece claro que um L’abri – ou, ao menos, a aplicação de seus princípios – é algo absolutamente fundamental para os projetos da Rede de Cosmovisão.


Responsabilidades

Durante o dia, voltamos à rotina: metade do dia para trabalho, metade para estudo. Eu estou trabalhando com Stefan na organização da biblioteca do L’abri e quando necessário, cortando grama, e Rodolfo está cuidando da preparação das palestras em áudio na Mídia Room. Alessandra está trabalhando na recuperação do jardim adjacente à School House, e preparando uma hortinha também – todos os workers têm hortinhas!

Cerca de duas vezes por semana nós estamos recebendo estudantes na School House para refeições – com os “Carvalho’s”, como eles dizem. Algumas vezes também introduzimos os jantares. Rodolfo também ficou responsável pela preparação de dois cafés da manhã por semana, para os estudantes, e por um “lunch discussion” – uma discussão que acontece sempre na hora do almoço.

Andrew Fellows e Rodolfo estão dirigindo um grupo de estudos sobre Kierkegaard, nas segundas-feiras às 17h00. Estamos lendo as “Migalhas Filosóficas” (Philosophical Fragments) de Kierkegaard. E na quarta feira dia Rodolfo apresentou uma palestra sobre Kierkegaard: . Foi uma espécie de introdução ao filósofo, com ênfase na sua relevância para a comunicação do evangelho. Foi muito interessante, especialmente considerando a suspeita histórica do l’abri em relação a Kierkegaard, lançada por Schaeffer em sua teoria do “salto irracional”.

Nesta semana eu enviei as primeiras 30 notas para o projeto da Bíblia Brasileira de Estudos, coordenado pelo Prof. Luiz Sayão. O projeto, da editora Hagnos, envolve o lançamento de uma nova edição da antiga Versão Revisada da Imprensa, e envolve a produção de 25.000 notas. Eu estou cooperando com notas para as cartas de Paulo. Parte do meu tempo de estudos tem sido utilizado na preparação dessas notas. Além disso, tenho estudado sobre epistemologia e filosofia da religião, como preparação para minha palestra no L’abri.


Agradecimentos, Desafios e Planos









Coisas para agradecer a Deus:

Pela excelente semana de treinamento, pelo suprimento das necessidades do L’abri, pelas aulas de inglês da Lê – nesta semana a professora, Karrie, apareceu com um presente: uma gramática de inglês básico novinha! Pelas meninas, que estão começando a falar em inglês, pelos novos contatos, e pela palestra do Rodolfo, que foi muito boa. E por tudo que estamos aprendendo aqui.



Pedidos de Oração:

Quanto à viagem para o L’abri da Holanda: Andrew decidiu que seria melhor fazê-la durante o termo de outono. Temos então mais tempo para levantar recursos;

Pela minha palestra, ainda mo mês que vem (a data foi alterada para o dia 11 de julho);

Pelo seguro de saúde, que ainda não pudemos adquirir;

Pela renovação dos nossos vistos em agosto (Rodolfo) e setembro (eu e as meninas).

Pelo Congresso da Rede de Cosmovisão em Curitiba, no mês de Julho. Wim Rietkerk, chairman do L’abri Fellowship International estará presente no congresso.

Agradecemos aos irmãos da Igreja Batista do Caiçara, da Comunidade Evangélica Betesda e da Igreja Cristã Injili que tem apoiado nosso ministério, e a toda equipe do pro-l’abri “em terra”!

Abraços,

Guilherme, Alessandra, Ana Elisa e Helena Carvalho

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